Mestre Joaquim antigo marinheiro, agora pescador reformado, tornara-se num pescador de sonhos.
Quem por aquela praia passasse havia de ver na areia aquela silhueta franzina, sentada, de olhos postos no horizonte. Era ali o seu lugar, dizia que era ali o seu cais de partida, um dia quando a sua hora chegasse, queria terminar tudo ali, era aquela a última imagem que queria levar consigo. Decidira há muitos anos, quando em pleno Golfo da Biscaia se salvara de um naufrágio, que o mar o Sol aquela imensidão de areia, o voo livre das gaivotas e a melodia das vagas seria a sua última bagagem.
Era Domingo de manhã, o céu estava limpo como que pintado de um suave azul e o Sol começava a aquecer a areia apenas o mar que carinhosamente acariciava as rochas, quebrava o silencio mas não a tranquilidade daquela praia e daquele sono.
Mestre Joaquim, acordou estremunhado, parecera-lhe ouvir um choro, sim, um choro de criança, parecera-lhe um sonho, mas...ao levantar os olhos, ao longe no cimo de uma rocha um pequeno vulto parecia agitar-se, a maré estava a ficar cheia e a visão turva que a idade lhe trouxera, em nada ajudava, apenas o som lhe confirmava o choro, um choro que nunca lhe fora familiar, o ouvido não o traia, continuava a ser capaz de ouvir o zumbido de um mosquito.
De rompante entrou na água e tentou nadar, o mais rápido que o que restava daquele homem do mar conseguia, no entanto aquele mar calmo parecia-lhe ter agora mais força do que o mar enfurecido do Golfo da Biscaia, que há muitos anos vencera, esbracejava e esperneava, mas parecia não sair do mesmo sitio tal como o choro da criança, o que de alguma forma lhe dava força para continuar a debater-se com o mar.
De repente, aquele som pareceu-lhe mais próximo, mais intenso, foi como que se aquele choro lhe saísse de dentro da alma, dera um impulso mais forte ao corpo, acabara de ultrapassar a zona de rebentação como que impelido por uma força que nunca conhecera, uma força que lhe advinha de um deus, mais temido do que amado.
Aos poucos o cansaço ia tomando conta de si, mas mestre Joaquim tinha sido temperado com o sal do mar, antes partir do que vergar, desistir não fazia parte dele e à medida que a maré subia e se aproximava mais e mais do topo do rochedo, o choro tornava-se mais próximo por fim conseguira alcançar o pequeno rochedo onde se encontrava a criança, abriu a sua camisa, com as pernas e o tronco formou como que uma concha onde a aninhou para poder descansar o tempo que a maré lhe permitisse. Sabia que o regresso à areia seria mais fácil, não teria que nadar contra a maré, bem pelo contrário, bastar-lhe ia quase simplesmente flutuar e aproveitar a força das pequenas vagas, pois há alturas em que o mar traz tudo para terra, algumas... coisas desnecessárias que ele repele, outras coisas muito bonitas, como os sonhos ou a Vida.
Conta-se que Mestre Joaquim, a partir desse dia, se tornou um homem diferente, todos os dias continuava a ir para a praia, acompanhado da criança, mas sentia-se mais bonito, esquecera-se o que o atormentava e voltou a guardar aquilo a que chamava a sua bagagem, numa velha arca de madeira, perfurada pelo caruncho, na casa das coisas inúteis, onde proliferava aquele pó amarelo, fininho e muitas teias de aranha, grandes e negras.
Quem por aquela praia passasse, lá podia encontrar dois tempos que brincavam, como se fossem apenas um tempo, onde vivia a esperança e a alegria, de paredes de meias com um castelo... de areia...que o mar era incapaz de fazer desabar.
Muitas vezes Mestre Joaquim acordava, a meio da noite, sentava-se numa esteira junto de uma pequena cama improvisada, só para ver a criança dormir e pensava para com ele, como foi bom encontrar-te, Maria do Mar...
Esta é a minha homenagem aos organizadores das "Palavras Andarilhas", aos contadores e às outras pessoas bonitas, que nelas participara, para mim as "Palavras Andarilhas", são entre outras coisas, uma reunião de pessoas bonitas, gente que ousa sonhar e fazer sonhar, é sem dúvida a iniciativas de maior qualidade da Camara Municipal de Beja e da Biblioteca Municipal
Um texto onde os "nims" não entram
Há 7 anos
3 comentários:
Bom Dia Maltês. Ainda bem que voltaste.
Maltês...venho dar-te os bons dias. Agradecer-te a tua passagem lá em cas...e...esperei encontrar novas tuas por aqui...onde andas?
Boa-Noite Maltês...Pensei que cá tinhas vindo...
beijinhos
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